A relativização do direito de propriedade
- Silvia Celani
- 7 de nov. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 29 de mai. de 2023
Ainda baseado nos efeitos a pandemia, o STF manteve a suspenção de toda e qualquer medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em despejo, desocupação ou remoção forçada.

[11/2022] A sigla ADPF significa Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Trata-se de ação judicial de natureza constitucional, que só pode ser proposta junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), objetivando evitar ou reparar lesão a preceito constitucional fundamental promovida por ato de poder público. Sob o pretexto de ferimento ao direito fundamental à moradia, PSOL, PT, MTST e outros organismos propuseram a ADPF nº 828/DF, visando à extensão dos efeitos da Lei nº 14.216/21, que suspendia, até 31/12/2021, medidas concessivas de despejo.
A lei em questão obstava medidas judiciais, extrajudiciais e administrativas que autorizassem desocupação ou remoção forçada coletiva de imóveis urbanos, públicos ou privados, bem como a concessão de liminares em ações de despejo. O ministro Luiz Roberto Barroso, do STF, designado relator da ADPF, entendeu justo o pedido e prorrogou os efeitos da lei até 31 de março de 2022, incluindo imóveis rurais, que não eram contemplados pela lei. Ao se aproximar o vencimento da liminar, nova extensão foi concedida, até 30 de junho de 2022.
A pandemia da Covid-19 praticamente desapareceu em 2021. Porém, “em atenção aos princípios da cautela e precaução”, nosso ministro relator decidiu que seria “recomendável a prorrogação da medida cautelar” até 31 de outubro de 2022, porque uma nova tendência de alta da doença teria sido registrada no mês de junho. Segundo ele, a nova data “evita superposição com o período eleitoral em curso”. Vencida a terceira prorrogação da medida liminar (o mérito da causa continua sem apreciação), sobreveio uma quarta decisão unipessoal.
Os autores da ação pedem como se pede aos céus: mais seis meses de liminar, até que cessem os efeitos sociais e econômicos da pandemia; suspenção de toda e qualquer medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em despejo, desocupação ou remoção forçada; vedação de ordens administrativas ou extrajudiciais; estabelecimento de medidas permanentes que contemplem estruturas para realização de audiências que garantam a presença de órgãos públicos municipais, estaduais e federais de habitação etc.
A Lei nº 14. 216/21, em seu art. 4º, vedava a concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano residencial cujo aluguel não fosse superior a R$ 600,00, ou a R$ 1.200,00, se comercial. Em verdadeiro esbulho legislativo, o relator da ADPF estendeu o alcance da lei a imóveis rurais e bloqueou despejos contra invasões coletivas. Agora, finda a pandemia, o ministro autorizou a retomada de imóveis urbanos em ações de despejo, mas não determinou o arquivamento da ADPF. Ao contrário, deu continuidade na ação e ainda deferiu parte do pedido.
Sob o argumento de que a Câmara dos Deputados deixou de deliberar sobre o PL nº 1.501/2022, que visa mitigar os impactos humanitários nas reintegrações de posse, o Judiciário agiu, mais uma vez. Em nome da justiça social, determinou aos Tribunais de Justiça que instalem comissões de conflitos fundiários para intermediar a desocupação e reintegração de propriedades. A decisão intenta proteger o direito fundamental à moradia. Entretanto relativiza o direito de propriedade, igualmente fundamental no Estado Democrático de Direito.




Supporting the relativization of property rights does not mean ending them, but rather seeking a more balanced regulation—one that considers that's not my neighbor game both the individual interests of owners and the social function of property, as well as the guarantee of decent housing for all.